OS LITTERATOS EM LISBOA POEMETO POR A. FERREIRA DE FREITAS ILLUSTRADO POR Jeronymo da S. Motta BACHAREL NAS FACULDADES DE THEOLOGIA E DIREITO. COIMBRA IMPRENSA LITTERARIA 1865 OS LITTERATOS EM LISBOA POEMETO POR A. FERREIRA DE FREITAS ILLUSTRADO POR Jeronymo da S. Motta BACHAREL NAS FACULDADES DE THEOLOGIA E DIREITO. COIMBRA IMPRENSA LITTERARIA 1865 AOS IDEALISTAS LISBONENSES O. O AUCTOR Este trabalho, nascido em _cavaco_[1] d'alguns amigos, foi fruto d'uma noute: sahiu-nos da penna para o prelo; por isso sirva-nos de desculpa a algumas imperfeições, o pouco tempo de que podemos dispor, e juntamente a boa vontade do auctor. A ti, meu caro Motta, agradeço-te do coração o favor, com que annuiste á illustração do--Poemeto--accedendo ao meu pedido, assim como ao dos outros amigos, que o mesmo te rogaram. _Ferreira._ I Ignoto Deo [Ilustração: IGNOTO-DEO] I INVOCAÇÃO Musa, eu quero ir ó gigantesco enleio Dos litt'ratos, que chamam de _mão cheia_; Eu quero o meu candil levar em punho Á festa, que de si é uma _epopeia_. Por isso, ó Musa, ó nume encantador! Ó sombra indefinivel de mulher! Não me deixes a mente aqui dormir, Leva-me á festa, quero lá _viver_. Vem, tu, que a tantos gloria has dado e nome, De papoulas a minha fronte ornar. Vem tirar-me das varzeas do Mondego, E dá-me inspiração, quero cantar. Lá n'esse patrio lar de _rouxinoes_ Quero meus carmes no _arrabil_ tanger. Leva-me, musa, leva-me um cantor Que eu sinto o genio minha mente encher. E ha de, qual _balão_ em dia tenebroso, Subir até sumir-se pelos ceus; Encherá a eternidade, o espaço, tudo, E offuscará esses litt'ratos--_pygmeus_. É um cego que o caminho lhes _aponta_! E os leva pela mão p'r'o seu altar! Cordeiros _innocentes_, d'outras eras, Que vão de _sancto_ a capa alli buscar. Satellites d'um sol, sem vida e só! Qu'esparge apenas moribunda luz, Como hão de atravessar constellações Tão ricas de fulgor, que mui seduz?! Não podem como as aves agoureiras, Cantar lá d'alta torre em noute escura, E dar a quem pertence o gonzo immenso, Que o futuro nos dá de luz tão pura?! Que importa o caminhar da vaga ardente? Não vae ella nas praias repousar? Que importa, pois, tambem a luz d'um foco, Se vae n'outro mais forte a luz findar? É vaga aspiração de gente tosca Querer lyrios colher n'um matagal! E desfolhar as rosas tão mimosas! Pr'a dar-nos um carvão, _puro crystal_!!.. ..................................... Acaso achareis vós tão bello gosto Aos frutos _succolentos_ d'um pinheiro, Que não vejaes, por trás d'escura rama, Caminhar a _rapoza_ ao galinheiro? Não creio n'essas cousas n'este sec'lo, Em que tudo caminha ao _natural_, Embora esses criticos asseverem Ser _entrudo_ constante em Portugal. As mascaras de cêra duram pouco, Das outras é mui fraco o seu cartão: Hão de os _bailes_ portanto ser famosos N'outras eras d'_amor_ e _inspiração_. Vamos, musa, porém, a outros destinos, Mais franca seja, pois, nossa missão; Subâmos pela escada do bom senso, Que importa a gargalhada d'um villão[2]. Agora, minha musa, á festa vamos Dos litt'ratos, que chamam de _mão cheia_; Eu quero o meu candil levar em punho Á festa, que de si é uma epopeia. II SIT-LUX [Ilustração: SIT-LUX] II A MUSA--SALOIA Adeus, minha musa qu'rida, Vens hoje tão festival; Trazes as faces tão lindas Como a rosa no rosal. Onde vaes tão elegante, Mimosa como o zagal?-- --_Venho dar-te este meu braço,_ _Quero ter uma rival._-- Se tu és tão donairosa Nas tuas vestes singelas, Como podem captivar-me, Captivar-me as mais donzellas, Se eu não gosto d'atavios, Nem bellezas, que tem ellas? --_Póde ser; mas lá no ceu_ _Ha inda tantas estrellas._-- Eu não quero, minha musa, 'Star sujeito á lei fatal, Pois é crime _tão horrendo_! O pensar bem no _ideal_: E depois _mestre_ Castilho Se nos manda p'r'o _hospital_?! --_É desgraça na verdade!_ _Pelletan não lhe quer mal._-- Oh! como vens conceituosa D'essas phrases no vestir! Juntas mais á galhardia, Tanta prenda, esse sorrir... Quero, pois, amar-te; e muito Á força do meu sentir. --_Mas eu sou tão singelinha,_ _Tenho no campo o existir!_-- Mais viveza em ti encontro, Mais pureza em teu amar; O crepusc'lo da cidade É vaidoso em seu cerrar; E os prazer's, que lá s'encontram, Vão como a brisa do mar. --_Quer então amar-me muito,_ _Quer levar-me ao seu altar?_-- Porque não, mulher festiva? Has de dar-me o teu abraço, E inspirar-me n'essas tardes Em que o sol é já mui baço, E se perde no horizonte Como a nuvem n'esse espaço. --_Porque não, meu anjo lindo?_ _Vamos ambos pelo braço._-- Tu has de ir comigo á festa, Como a mariposa á flor, Has de lá n'essa _folgança_ Fazer de mim trovador. Tu não sabes quanto é bello Ser inspirado d'amor?! --_Vamos primeiro ao mercado,_ _E depois serás cantor._-- Vamos primeiro ao mercado? Vamos lá, minha cecem. Tu que levas no cestinho? Levas _ovos_ ao vintem? Ou então são alguns _patos_. Que vaes ver se quer alguem? --_Não senhor; é outra cousa,_ _Muito melhor, muito além._-- Diz-me cá: então são _uvas_, Ou de _Baccho_ o seu primor? Eu não divulgo o segredo Em paga de tanto amor. Diz-me então se são gallinhas, Se são _rosas_ sem olor? --_Não senhor; são outras cousas:_ _São livros de trovador._-- São abortos d'estes tempos, Que vaes á praça vender? Cuidas tu ser isso lindo? Ser officio de mulher? Pois, musa tão feiticeira Não deve d'isso fazer. --_N'esse caso ahi vão p'ra lama,_ _Ahi vão p'ra quem quizer._-- Tens agora mais feitiços Ao nascer d'esse desdem: Olha, pois, para os _taes livros_ Como não quel-os ninguem: E tu, musa, tão contente Com valor nem d'um vintem. --_Ora, adeus; deixamos isso;_ _Caminhâmos mais p'ra além._-- ....................... ....................... ....................... Minha musa, 'stamos juntos Da _cigarra_ e da _folgança_: É aqui onde os _litteratos_ Tem _firmada_ a sua esp'rança: E tu, musa, dá-me cantos, Dá-me o escudo, dá-me a lança... --_Ora, pois, espera um pouco_, Vamos ver a contradança. III Mons parturiens [Ilustração: MONS PARTURIENS] III O PARTO Estendeu seu manto a noite; O sol escondeu o brilhar; As trevas são o que reinam; A luz perdeu-se pelo ar; As estrellas que o ceu tinha Perderam todo o fulgor; Os echos emmudeceram; A terra não diz amor; A corrente perdeu o brilho, Voltou á fonte natal; As flores seccaram todas, Seccaram todas no val'; O sol escondeu a fronte, A lua seguiu-o tambem; Os astros se sepultaram Nas trevas que o mundo tem; As aves já não tem canto, Tem medo da solidão; A terra já não responde, Não falla á voz do trovão: É tudo negrura immensa, Ou cataclysmo infernal; Oh! é ave que, perpassando, Nos trouxe o genio do mal... ............................... Mas, emfim, lá vem cahindo Um espectro n'amplidão; Oh! que formas nunca vistas Que elle traz! que negridão! Tudo treme! n'esse instante Parece o mundo acabar; Ou já o ceu que pouco a pouco Quer sobre nós repousar. Oh! que gritos! que soluços Solta o filho junto á mãe! Ao ver perto o grande abysmo, Que vem buscal-o tambem. O _pisco_ levanta as pernas Para sustental-o no ar; As aves vão timoratas Com _elle_ se nivelar. Outros fogem para a fralda Do monte que sobe ao ceu; Outros, emfim, tomam _armas_... _Arcabuzes_... que sei eu? Tudo busca um doce abrigo... Querendo matal-o no ar; Mas o espectro vem descendo E mui suave em seu andar. E quando todos attentos Fitavam triste a visão, Uma rajada de vento Arremessou-a pr'o chão. Nas alturas de Lisboa Parou ella, azas abriu: Desprendeu mil _gafanhotos_! Cousa assim nunca se viu! Tinham fórmas mais que humanas Pois algumas nunca as vi! Uns cavallos com taes azas! Voando tanto por si...!!! E depois, como voavam! P'ra terra tanto a descer! Estas cousas, tão confusas! Nunca as pude comprehender. E tambem já na cidade Desgracas aconteciam, Que gritos da turba tremula! Que soluços lá se ouviam! Os _pinheiros_, cuja fronte Tinha ainda algum verdor, Largaram da terra as pernas, Galopavam com fervor. Mas que pobres! na viagem _Maceraram_ face _linda_! Mas qu'importa se chegaram Com elles á festa infinda? Chegaram junto da _olaia_, Onde a _cigarra cantava_; Pasmaram todos viventes; Era o saráo _começava_. E a minha musa atrevida Fugiu de junto de mim... ............................. Pois hei de lhe dar _pateada_ Se a ouvir fallar por fim. IV Lux fuit [Ilustração: LUX FUIT] IV O SARÁO Era um dia de festa. Pelos ares Já nada havia d'esse drama, que Causára tanto horror: era mui linda, A côr nova que nascia no horizonte, Como a aurora, que após a tempestade Vem, mimosa actriz, lá por sobre as serras Dar vida ao mundo todo que a anhelava. O espectac'lo que os ar's tinham contido, Passou de negridão á luz do dia; E as aves que, nas pernas do tal _pisco_, Buscaram a guarida á eternidade, Já nas franças das arvores s'erguiam, Soltando seus cantar's, todos festivos. Já mui perto d'_olaia gigantesca_, Onde a _cigarra_ desprende sua _chiada_, _Ensinando moral, philosophia,_ Estava _um certo vulto_, mui sombrio! (E d'alampada na mão como Diogenes!) Soltando algumas phrases pouco ouvidas. Mesmo assim, como apito em larga praça Ou de folles qual gaita d'_espavento_, Ou mesmo o som alegre d'um pandeiro, Juntou em volta a si com mil gaifonas Um sem num'ro de ser's, _todos galantes_: Chegaram _patos_. _Gallos_ e _gallinhas_ Subiram a um poleiro que ali 'stava, E já d'altiva fronte, qual _cegonha_ Ensinaram o _seu mestre, lá piaram_. Mas não termina aqui o ajuntamento, Porque lá fóra, longe, n'um _roçado_, Vem mettido, qual _cesto d'azeitonas_ Na trouxa d'um gallego _mui sebento_! Patusco, que se diz ser um _litt'rato_. Parou, por fim, á porta sem convite; Mas o _mestre_, que a _tudo_ dera entrada, Levantou-se do banco de cortiça E _foi levar a mão_ ao seu conviva. Depoz ali gallego o longo _fardo_, E foi ás gargalhadas no caminho 'Sperar um passageiro á _barca_ sua. Soou por fim a hora. Disse o _mestre_: «Está aberta a sessão.» --Peço a palavra.-- Disse um. --Quero fallar-- Disse outro além. --Os meus versos não ficam no _tinteiro_-- D'além mais outra voz soou tremente. Na _balburdia_ immensa, que nasceu Dos litt'ratos, que qu'riam fallar juntos, Tocou _mestre_ d'enfado a campainha. Cada um fallou, por fim, por ordem sua, Abraços recebendo ao _mestre ingente_, Como em honra e louvor da _nova fama_ Que de _vós_ ha de encher vossa Lisboa. De _Magalona_ contam cousas raras, De Filinto, sei eu, nada disseram; Mas de _Carlos_, o _magno_, o _grandioso_, Como de moura e fadas contos _bellos_, Foi, emfim, o que lá _muito cantaram_. Era a hora em que o saráo já se finava, E os pegasos olharam para o ceu; Mas em paga _d'amor e de saudade_ A todos quer dar--_mestre_--uma lembrança, Pintando-lhes nas costas, n'um abraço. _As armas... que já muitos captivaram._ Caro amigo Na tua obra nada mais sou que o pobre official executando as instrucções recebidas. Li, e procurei dar vida a pensamentos mais expressivos do que esses traços lançados sobre a pedra, a teu pedido. É pequena ou nulla a gloria, que me cabe; mas, não tendo a louca pretenção de _preparar uma estrada larga para eras novas_, não me curvarei para apanhar a luva, lançada ás cegas pelo _apos-tolo_ do progresso futuro. A minha _cigarra_ nunca me aconselhou a rebaixar o que ja applaudi em publico, a achar falta de _bom-senso_ e _bom-gosto_ onde ja encontrei _esperançosos talentos_![3] é que a minha não canta na _copa da olaia_; mas na consciencia, que sempre terá repugnancia ao ver, tanto _contra-senso_ e _ignorancia_ do _presente_, em quem se appellida o guia do _bom-senso_ e do _futuro_!.. Já disse que no _Poemeto_ só tenho uma pequena parte material; e não quero mais. Não me ferem aquellas balas de papel, por que não tenho aspirações litterarias (?), e, que as tivera bem fundadas, não me occuparia em _tosquear camêlos_!.. Não!.. porque, a responder ás suas _judiciosas arguições_, pedir-lhe-hia emprestada ou a linguagem de _regateira_, ou do _ridiculo_, unica digna de seus espirituosos _epithetos_. ........................................................................ Desculpa, amigo, estas involuntarias digressões. Vou dar conta do meu trabalho. A primeira estampa é anterior ao _Poemeto_. Imagino-te na solidão, perseguido por um genio galhofeiro, que mostrando o nome de teus collegas te faz conceber esse _gigantesco enleio_, para que pedes á _ignota musa_ te guie. A segunda é a expressão mais fiel, que pude dar aos dous versos: --N'esse caso ahi vão para a lama, Ahi vão p'ra quem quizer.-- Para a terceira escolhi os versos: Uns cavallos com taes azas! Voando tanto por si...!!! Só vesti por minha conta o _mestre_ com a tunica de Apos-tolo, e puz-lhe na mão a lanterna de _furta-fogo_ com que esclarece o futuro, deixando o presente em trevas. Nas costas estive para lhe collocar a _lanterna magica_, com que faz surgir do pó as _sombras_ dos poetas, que já foram; mas o receio de espantar os _cavallos_, que o seguem, e ficar o _pagode_ em meio, fez-me desistir. Fique só a intenção!.. Os que _pede_ (_ac pectore_) _calcante_ contemplam os astros são faceis de reconhecer. Na quarta, a que serve de thema o verso: Abraços recebendo ao _mestre ingente_, talvez se note a falta da musa; eu tambem a não achei. Provavelmente a tal _saloia_ metteu-se na cabeça do Sr. Castilho. Concluirei pedindo a devida venia, por não pintar bem, a ti, os _bonecos_, para que além de genio me faltou o tempo; ao Sr. Castilho a sua _olaia_ e _cigarra de Anacreonte_!.. Teu... _J. S. Motta._ [1] Phrase academica. [2] Descortez. A carapuça é para quem serve: é elastica. [3] D. Jayme. Carta-Castilho, pag. LXXVI. Vende-se por 240 réis *Em Coimbra*--nas livrarias Moré, e Mesquita. *Lisboa*--nas principaes livrarias. *Porto*--na livraria Moré. --- Provided by LoyalBooks.com ---